Texto reescrito em 2025 e inicialmente escrito para o Prêmio Talento literário em 2014! Agora no canal do Youtube!
Chovia naquela noite. Lembro dos detalhes de cada passo. Eu estava sentado em uma cadeira no corredor da faculdade—desconfortável, rígida, impossível de relaxar. Esperava o término da aula de minha mãe, que cursava Direito na pós-graduação. Acompanhá-la até em casa me dava segurança. Não gostava da ideia de deixá-la andando sozinha à noite.
A aula ainda não havia terminado, mas o vento frio daquela noite chuvosa entrava impiedosamente pelas janelas abertas. A arquitetura do prédio era peculiar: todas as salas ficavam à esquerda do corredor, enquanto as janelas de observação para o pátio ocupavam o lado direito. O espaço não parecia funcional para uma faculdade, e sua estrutura sugeria que havia sido projetado para outro propósito. Até o rodapé do corredor era curvo, provavelmente para facilitar a limpeza. Nunca vi isso em outros prédios acadêmicos.
Castigado pelo frio, resolvi me levantar da cadeira e caminhar até o banheiro, localizado na outra extremidade do corredor. Queria esticar as pernas, talvez pegar um café depois. Caminhei olhando para o chão. Ao me aproximar do fim do corredor, percebi, pelo canto do olho, um reflexo na janela voltada para o pátio. Era o de uma senhora de cabelos curtos, lisos e pretos. Ela me encarava com certo ressentimento, vestindo uma camisa branca. Sua pele morena contrastava com os olhos escuros que não desviavam de mim. Resolvi cumprimentá-la.
No momento em que tirei os olhos da janela e virei o rosto em sua direção, senti um arrepio. A porta da sala estava vazia. Entrei para ver se ela havia se sentado, mas o espaço continuava deserto. A situação parecia saída diretamente de um clichê de filme de terror, mas estava acontecendo comigo. Preferi me afastar da porta e seguir para o banheiro.
Foi, sem dúvida, a mijada mais tensa da minha vida. A sensação de estar sendo observado era constante. Em minha mente, cenas do filme O Chamado me atormentavam. Maldita Samara e seu poço japonês! Lavei as mãos, sempre atento à porta. Sai, peguei meu café e voltei a me sentar.
O corredor agora parecia diferente. Da sala de minha mãe, seu amigo Mateus saiu em direção ao banheiro. Cumprimentei-o com um gesto discreto de cabeça e voltei aos meus pensamentos. Até que um som me despertou:
— Boa noite!
Voltei o olhar a tempo de vê-lo cumprimentando alguém dentro daquela mesma sala vazia. Sua reação foi instantânea—os ombros arqueados e o leve recuo indicavam surpresa e tensão. Ele havia tomado um susto.
Esperei que Mateus voltasse do banheiro. Não mencionei nada, queria apenas observar sua postura. Ele retornou pensativo, olhos fixos, mordendo o lábio inferior, as mãos no bolso. O frio da noite parecia se misturar ao desconforto do que havia acontecido. Permaneci inquieto até o final da aula.
Já do lado de fora, pronto para partir, decidi conversar com o segurança do prédio. Ele estava ao lado da atendente da guarita, e ambos interromperam o papo para me ouvir. Perguntei:
— O que era esse prédio antes de ser uma faculdade?
A resposta não veio dele, mas da atendente. Ela se virou abruptamente, olhos arregalados. O segurança abaixou a cabeça. Olhei para ela, insistindo na pergunta.
— Era um hospício! — disse, sem hesitar.
Desde aquele dia, a sensação de ser observado nunca me abandonou nas noites em que espero minha mãe naquele corredor.
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