Pular para o conteúdo principal

Spoilers Don't Spoil- Minha Análise

Imaginem vocês, amigos se ofendendo por causa de spoilers; pessoas sendo ofendidas em fóruns por causa de um spoiler. É uma guerra que se perpetua e, recentemente, vi muitas empresas vindo à público para se desculparem por causa disso. Eu lembro de muitos fatos de minha infância, e um se encaixa perfeitamente nesta questão. Não existia internet decente no Brasil, na época em que a Manchete passava Cavaleiros do Zodíaco, então, para sabermos de novidades era preciso ler revistas especializadas (Heroi e Henshin, por exemplo). Em uma destas revistas, eu li todos os detalhes da saga de Hades antes da chegada dos quadrinhos (mangás) ao Brasil. Fiquei empolgado com a participação dos Cavaleiros de Ouro e isso não diminuiu o meu prazer pela leitura do clássico, quando o mesmo fora lançado no Brasil. Ao acompanhar a saga, eu fiquei muito feliz ao ler e reconhecer cada fato que eu já conhecia previamente. Outro exemplo que dou é com o filme 13º Guerreiro, pois vi e revi este filme mais de 10 vezes e ele sempre me satisfaz, mesmo tendo memorizado, inclusive, os diálogos mais importantes. Eu acredito que essa discussão vai além da comunidade nerd, embora esta comunidade em questão parece estar prisioneira deste embate. Por isso, decidi escrever este texto com base em pesquisas que encontrei.


Existem os que detestam spoilers e os que toleram. Os que detestam spoilers salientam que isso estraga o prazer de se ver uma série. Pode até acabar com a série. Fui buscar experimentos e pesquisas acadêmicas e encontrei algumas que deixo aqui. Um  Estudo da Universidade da Califórnia,  San Diego (Departamento de Psicologia) afirma: “People who flip to the last page of a book before starting it have the better intuition. Spoilers don’t spoil stories. Contrary to popular wisdom, they actually seem to enhance enjoyment.” O doutor em psicologia afirma em seu estudo: “that once you know how it turns out, it’s cognitively easier – you’re more comfortable processing the information – and can focus on a deeper understanding of the story”.


O interessante em uma pesquisa científica é que ela pode ser repetida por outros pesquisadores, pois segue procedimentos que podem ser repetidos pela sociedade acadêmica. Deste modo, o estudo acima foi repetido pelo professor (pós-doutorado) Benjamin K. Johnson, do Department of Communication Science, VU University Amsterdam, De Boelelaan 1081, 1081 HV Amsterdam, The Netherlands. Em sua pesquisa chamada “Spoiler Alert Consequences of Narrative Spoilers for Dimensions of Enjoyment,Appreciation, and Transportation” ele consegue resultados que batem com o estudo de 2011. Embora tenha achado algumas diferenças, o doutor conclui que spoilers não produzem impacto significante na audiência e tudo depende da experiência individual. Ele conclui a pesquisa afirmando: “The present results account for earlier findings by demonstrating that, depending on an individual’s personality traits, a spoiler can have differential effects on enjoyment of, or even one’s desire to read, a narrative. Furthermore, the larger finding that the interactions between personality traits and spoilers do not have similar impacts on selective preference and enjoyment indicates there are distinct processes at play when selecting versus reading a story. The impact of spoilers on the audience’s experience is thus somewhat individualized, and spoilers do not have a universally positive or negative impact on the audience’s experience.(...). In short, personality traits interact with spoilers to impact the audience experience, and future research can continue to unravel how individual differences affect audience responses to entertainment spoilers”.


Ano passado, a Netflix entrou nessa questão. Eles fizeram uma pesquisa da seguinte maneira: “This survey was conducted online within the United States between August 6 and 8, 2014 among 2,023 adults aged 18 and older by Harris Poll on behalf of Netflix via its Quick Query omnibus product. Figures for age, sex, race/ethnicity, education, region and household income were weighted where necessary to bring them into line with their actual proportions in the population. Propensity score weighting was used to adjust for respondents’ propensity to be online.”  E o que eles descobriram? Isso: “In the past, viewers might have gotten angry. Now, they're more pragmatic when it comes to spoilers, which have in essence become teasers. With everyone watching TV shows at different times, 76% of Americans say spoilers are simply a fact of life. In fact, almost all of them (94%) say that hearing a spoiler doesn’t make them want to stop watching the rest of a TV series. And 13% report that a spoiler actually makes them more interested in a show they hadn’t seen or weren’t planning to watch”. (Grifo meu)



Caso prático

Vamos a um exemplo prático. A final do MasterChef (Band) teve um spoiler amplamente divulgado quanto ao nome da vencedora. Como mostra reportagem do site da rádioTransamérica: “De acordo com a publicação (Agora São Paulo), o publicitário Raul ficará com o segundo lugar, perdendo o posto de MasterChef para Izabel.” Rapidamente, muitos já sabiam o resultado final da competição, porque o Agora São Paulo possui boa visibilidade e bom número de visualizações. Além disso, a rádio Transamérica, ao divulgar esta nota acabou, também, colaborando para distribuir e melhor divulgar este spoiler gigantesco.


E agora? Se quem detesta spoiler estivesse certo, com certeza o ibope da final teria sido baixo, porque as pessoas perderiam o interesse, afinal, já sabiam o resultado da final. Nas palavras de Patrícia Kogut; “A final do “MasterChef”, exibida das 22h38m às 1h18m, teve recorde de audiência, com média de dez pontos. É muito, dados a duração e o horário da atração, que avançou pela madrugada. Um índice que a Band raramente fatura.”


E o pessoal movimentou o twitter também. Segundo MSN: “Em uma ação inédita, a direção do programa anunciou o resultado primeiro no Twitter. Os internautas foram brindados com o anúncio em primeira mão como forma de agradecimento pelo sucesso do reality culinário na rede social. Para ter uma ideia, somente na final foram mais de 1,6 milhão menções ao projeto no microblog deixando a atração em primeiro lugar nos Trending Topic mundial durante horas”. Apesar da descoberta da vencedora do programa, isso não afetou nem a audiência e nem a interação, ou divertimento, de quem assistiu. Aliás, o interesse aumentou. 


Vamos a mais um exemplo? O que dirá, então, de filmes que vazam na internet? Afinal, quer maior spoiler do que um filme estar todo ele disponível na rede, antes de seu lançamento oficial? X-Men Origins: Wolverine caiu na rede e teve mais de 4 milhões de downloads antes de seu lançamento. Muito provavelmente, algum vizinho baixou e contou os detalhes para outros, mas, mesmo assim, foi um fracasso? Não! Rendeu quase 180 milhões de dólares nos EUA e mais 193 milhões no resto do mundo.


Leiam mais aqui: Quando um filme cai na web antes de estrear no cinema. Revista Época! Veja que não existe relação entre “saber algo previamente sobre uma atração e seu divertimento estar arruinado”, aliás, na reportagem da Revista Época, podemos tirar outro exemplo de como spoilers podem ser benéficos. No caso de Tropa de Elite, o pessoal que assistiu antes elogiou tanto, que beneficiou o lançamento do filme nos EUA (leiam clicando no link em destaque acima).



Os censores do Spoiler e o Direito Brasileiro

Spoiler pode ser definido como uma revelação de partes de um enredo, ou seu todo, ou seja, é fruto da comunicação e da expressão escrita ou verbal. Alguém que tenta informar algo sobre alguma coisa. Um processo da informação. Sendo fruto da comunicação, proibi-lo é impedir a livre expressão do interlocutor. Quem impede a liberdade de expressão e, portanto o spoiler, é um censor. A ministra Carmen Lúcia (STF) assim descreve a ação maligna do censor: “Censura é forma de controle da informação. Alguém, que não o autor do pensamento e do que quer se expressar, impede a produção, a circulação ou a divulgação do pensamento ou, se obra artística, do sentimento. Enfim, controla-se a palavra ou a forma de expressão do outro. Pode-se afirmar que se controla o outro. Alguém – o censor – faz-se senhor não apenas da expressão do pensamento ou do sentimento de alguém, mas – o que é mais – controla-se o acervo de informação que se pode passar a outros”.


 Se os censores fazem isso com empresas, o que dirá com o indivíduo. E isto está errado, pois mexe com o direito de informar e de se informar, isto é, o direito que o indivíduo tem de se informar sobre assuntos relacionados com o universo que ele deseja acompanhar. Este direito, como afirma a ministra em seu voto: “relaciona-se à liberdade de buscar a informação em fonte não censurada e sobre qualquer tema que se revele de interesse do cidadão. Coartar a busca livre de assunto ou em fonte circunscrita antecipadamente significa limitar a liberdade de obter dados de conhecimento para a formação de ideias e formulação de opiniões. O direito fundamental constitucionalmente assegurado compreende, pois, a busca, o acesso, o recebimento, a divulgação, a exposição de dados, pensamentos, formulações, sendo todos e cada um responsável pelo que exorbitar a sua esfera de direitos e atingir outrem”.


Parte do voto impresso da Ministra Carmen Lúcia



E a liberdade de expressão é fundamental para se manter uma sociedade. É tão importante que faz parte de convenções e tratados internacionais. É tão importante, que ninguém, exceto censores, cogita tentar calá-la. Carmen Lúcia: “O direito à liberdade de expressão – transcendendo o cogitar solitário e mudo e permitindo a exposição do pensamento - permeia a história da humanidade, pela circunstância mesma de ser a comunicação própria das relações entre as pessoas e por ela não apenas se diz do bem, mas também se critica, se denuncia, se conta e reconta o que há de vida e da vida, da própria pessoa e do outro, fazendo-se a arte exprimindo-se o humano do bem e do mau, da sombra e do claro. E forma-se pela expressão do que é, do que se pensa ser, do que se quer seja, do que foi e do que se pensa possa ser a história humana transmitida. Afinal, no princípio é o Verbo. Encarna-se a vida no Verbo. E o verbo faz-se carne e torna-se vida”.


Defender a liberdade de expressão em seu todo é defender aquele que informa, que busca a informação e, portanto, mantêm a sociedade através do debate e a alimenta com recursos.



Conclusão


A conclusão que eu chego é que spoilers não estragam a história, entretanto, a população está dividida e em guerra por causa disso. Como foi mostrado pelas pesquisas, o temor que uma série amada fracasse, por causa de spoiler, é sem fundamento. Já a pesquisa da Universidade de Amsterdam nos indica que o processo de aprendizagem individual deve ser respeitado, ou seja, se uma pessoa não gosta de spoiler, ela deve ser respeitada. A que gosta de spoiler também deve ser respeitada. Desta forma, acredito que devemos combater e estimular:


O que combater

O que se deve combater é a figura do censor, ou seja, a pessoa que tenta controlar a outra, pois isso fere a liberdade de expressão e a busca pela informação. Impedir que uma pessoa dê um spoiler, ou busque um spoiler, é contra a realização plena da comunicação e contra tratados internacionais que nos garantem o direito à informação e a liberdade de expressão.


O que estimular


Estimular o respeito. Se a pessoa não gosta de spoiler, que seja respeitada. Se a pessoa gosta de spoiler, que seja respeitada também. Afinal, não existem vilões (com exceção da figura do censor), apenas pessoas tentando interagir sobre um determinado assunto. Vamos, portanto, nos respeitar.  Se o respeito não for obedecido, como diz a ministra, cabe a advertência adequada ao desvio de conduta. Agora, se você fica paranoico por causa de spoilers, ao ponto de agredir um amigo, é hora de procurar ajuda. 

Postagens mais visitadas deste blog

Outros Papos Indica: O Cérebro que se Transforma

Norman Doidge é psiquiatra, psicanalista e pesquisador da Columbia University Center of Psychoanlytic Training and Research, em New York, e também psiquiatra da Universidade de Toronto (Canadá). Ele é o autor deste livro que indico a leitura. O livro, segundo o próprio editor, “reúne casos que detalham o progresso surpreendente de pacientes” que demonstram como o cérebro consegue ser plástico e mutável. Pacientes como Bárbara que, apesar da assimetria cerebral grave, na qual existia retardo em algumas funções e avanço em outras, conseguiu se graduar e pós-graduar. Um espanto para quem promove a teoria de que o cérebro humano é um órgão estático, com pouca ou nenhuma capacidade de se adaptar. “ Creio que a ideia de que o cérebro pode mudar sua própria estrutura e função por intermédio do pensamento e da atividade é a mais importante alteração em nossa visão desse órgão desde que sua anatomia fundamental e o funcionamento de seu componente básico, o neurônio, foram esboçados pela p

Outros Papos indica uma pesquisa- I.A. e as mãos!

 Hoje não vou indicar um canal, mas uma pesquisa. Enquanto eu ainda tinha uma conta no Twitter, eu estudei muitos desenhos feitos por inteligência artificial e notei uma coisa peculiar em muitos deles. A I.A. (inteligência artificial), muitas vezes, não sabe fazer dedos e mãos.  Vou colocar um vídeo aqui que achei criativo. Um vídeo sobre Persona 5, mas com a letra a música sendo usada para gerar desenhos por I.A.. Notem que em alguns dos desenhos essa peculiaridade aparece. Mãos desenhadas de forma errada. Acredito que algumas inteligências podem não saber como construir, porque o programador não inseriu, na engenharia do sistema, a anatomia das limitações impostas pelos ossos. Simplesmente, eu não sei e preciso pesquisar. Pesquisem também.  

Paulo Fukue- O Engenheiro de Papel

 A tradição não é estática. Ela tem uma alteração lenta. Proteger a tradição é honrar os que vieram antes. Esse é um dos princípios de quem conserva. Por exemplo, antes de criar o Jeet Kune Do , Bruce Lee precisou aprender a tradição do box chinês, Wing Chun . Ele observou seus movimentos, treinou sua base, observou sua realidade e desenvolveu sua técnica para preencher algo que ele considerava falho. Ele conservou e debateu sobre mudanças pontuais, até chegar ao seu estilo próprio. Ele não poderia realizar tal feito se não existisse uma tradição de golpes e lutas anteriores. Se ele não tivesse um Yip Man que o ensinasse. Uma tradição que é mantida é sempre essencial para evoluções futuras e um mestre de hoje sempre aprende com um mestre do passado. Assim a tradição se movimenta. É assim também nas ciências, nas artes e no mundo inteiro. Uma sociedade que respeita seus mestres (professores de grande saber) pode evoluir mais rapidamente. Nesse sentido, toda a forma de divulgação de mest