Olá, pessoal! Durante algum tempo, montei aqui uma sequência de vídeos mostrando a influência estrangeira no Japão. Tudo isso para chegar no vídeo de hoje. Sabiam que o Japão possui um movimento político de isolamento de outros países? Não? Apesar de toda a troca de cultura e influência, existe um grupo que deseja o isolamento. Vamos conhecê-los?
O conceito de isolamento no Japão remonta ao período histórico conhecido como Sakoku (país fechado), uma política de isolamento estrangeiro implementada pelo xogunato Tokugawa durante o período Edo (1603–1868). Essa política foi formalizada por meio de uma série de éditos entre 1633 e 1639, sob o comando de Tokugawa Iemitsu, o terceiro xogum. As razões para sua implementação eram multifacetadas: primariamente, o medo da influência colonial e religiosa, especialmente do cristianismo introduzido por missionários portugueses e espanhóis desde a chegada de Francisco Xavier em 1549. O xogunato via o cristianismo como uma ameaça à estabilidade social e política, culminando na proibição da religião em 1614 e na supressão violenta da Rebelião de Shimabara (1637–1638), um levante de cristãos japoneses. Além disso, o Sakoku servia para centralizar o poder do xogunato, limitando o comércio exterior dos daimyō (senhores feudais) e evitando alianças com potências estrangeiras que pudessem desafiar a autoridade Tokugawa. Economicamente, o objetivo era proteger recursos minerais como prata e cobre, controlando o comércio através de canais restritos.
Na prática, o Sakoku não era um isolamento total. O comércio continuou de forma limitada: os chineses e holandeses podiam operar em Nagasaki, com os holandeses confinados à ilha artificial de Dejima. Os coreanos negociavam via Tsushima, os ainu via Matsumae e o Reino de Ryūkyū via Satsuma. Isso permitiu a entrada de conhecimentos ocidentais através do Rangaku (estudos holandeses), influenciando áreas como medicina, ciência militar e astronomia. No entanto, japoneses comuns eram proibidos de sair do país ou retornar, sob pena de morte, e estrangeiros eram amplamente banidos. Essa política durou mais de dois séculos, promovendo uma cultura nacionalista através da Escola de Estudos Nacionais (Kokugaku) e suprimindo o cristianismo, embora comunidades cristãs subterrâneas (Kakure Kirishitan) persistissem. Os efeitos incluíram a preservação de recursos, mas também o atraso tecnológico em relação ao Ocidente, tornando o Japão vulnerável a pressões externas no século XIX.
O fim do Sakoku ocorreu com a chegada do Comodoro Matthew Perry em 1853. Enviado pelo presidente americano Millard Fillmore, Perry liderou uma frota de quatro navios de guerra (os "navios negros") até a Baía de Edo (atual Tóquio), demonstrando poderio militar com canhões e tecnologia avançada. Ele exigiu a abertura de portos para comércio, proteção a náufragos americanos e o estabelecimento de relações diplomáticas. Após recusas iniciais, Perry retornou em 1854 com nove navios, forçando o xogunato a assinar o Tratado de Kanagawa (Convenção de Kanagawa), que abriu portos como Shimoda e Hakodate, concedeu extraterritorialidade a estrangeiros e estabeleceu tarifas baixas para importações. Esse evento, conhecido como "gunboat diplomacy", enfraqueceu o xogunato Tokugawa, levando à Restauração Meiji em 1868, quando o imperador recuperou o poder e o Japão iniciou uma rápida modernização, adotando tecnologias ocidentais, reformando o exército e a economia, e eventualmente se tornando uma potência imperialista.
Após a abertura forçada, o Japão abandonou o isolamento, expandindo-se territorialmente com conquistas como Taiwan (1895), Coreia (1910) e Manchúria (1931), culminando na Segunda Guerra Mundial. A derrota em 1945 levou à Constituição pacifista de 1947, com o Artigo 9 renunciando à guerra e forças armadas ofensivas, representando uma forma de semi-isolamento militar, dependente da aliança com os EUA para defesa. Economicamente, o Japão se integrou globalmente, tornando-se a segunda maior economia do mundo nas décadas de 1970-1980, com forte influência cultural via exportações como anime, mangá e tecnologia.
Nos dias atuais, resquícios do isolamento persistem em sentimentos nacionalistas e políticas restritivas. Durante a pandemia de COVID-19, o Japão adotou uma das políticas de fronteira mais rigorosas do mundo, limitando entradas a cidadãos e residentes estrangeiros retornando, com um teto diário de cerca de 3.500 chegadas. Apelidada de "neo-Sakoku" (novo país fechado), essa abordagem ecoava o isolamento histórico, com paralelos traçados ao período Tokugawa, incluindo penalidades severas por violações no passado. Apesar de altas taxas de vacinação (80,5%) e baixa mortalidade por COVID (156,62 por milhão), a política foi criticada internacionalmente por isolar aliados e prejudicar negócios e educação, reduzindo o número de estudantes internacionais de mais de 312 mil em 2019 para menos de 280 mil em 2020. Uma pesquisa do Yomiuri em dezembro de 2021 mostrou que quase 90% dos japoneses apoiavam as restrições, elevando a aprovação do primeiro-ministro Fumio Kishida para 62%. Exceções foram feitas para os Jogos Olímpicos de Tóquio em 2020, mas ligadas a surtos da variante Delta.
Além disso, há movimentos políticos modernos que defendem formas de isolamento ou prioridade nacional. O partido Sanseito (Partido da Participação), fundado em 2020 por Sohei Kamiya durante a pandemia, é um exemplo proeminente. Nacionalista e populista, o Sanseito adota o slogan "Japanese First" (Japoneses Primeiro), alertando contra uma "invasão silenciosa de estrangeiros" e culpando o Partido Liberal Democrático (LDP) por políticas que permitem mais imigração. Kamiya ameaça que o Japão se tornará uma "colônia" se não resistir à "pressão estrangeira", criticando empresas multinacionais por mudarem políticas japonesas. O partido ganhou 14 assentos na Câmara Alta em eleições recentes, explorando frustrações com imigração (3,8 milhões de residentes estrangeiros recorde) e overturismo (36,9 milhões de turistas em 2024), culpando estrangeiros por crime e inflação crescentes. Embora não defenda um isolamento total como o Sakoku, suas políticas anti-imigração e anti-globalistas ecoam sentimentos isolacionistas, opondo-se à globalização, vacinas mRNA e influência da OMS. Outros grupos, como o Nippon Kaigi, promovem revisionismo histórico, mas o Sanseito é o mais vocal contra influências estrangeiras modernas.
No entanto, essas tentativas de isolamento podem ser consideradas ilógicas ao se observar os substanciais benefícios que o Japão obteve de suas interações internacionais ao longo da história. Após o fim do Sakoku e durante a Restauração Meiji, a abertura ao mundo permitiu uma modernização acelerada, com a adoção de tecnologias ocidentais que impulsionaram a industrialização, a construção de ferrovias e fábricas, a implementação de educação universal e reformas políticas como a adoção de uma constituição e sistema parlamentar, abolindo o feudalismo e elevando o Japão a uma potência militar e econômica capaz de rivalizar com nações europeias. No período pós-Segunda Guerra Mundial, a integração global, facilitada pela aliança com os Estados Unidos e pelo estímulo ao comércio internacional, gerou o "milagre econômico japonês", caracterizado por crescimento rápido e sustentado da manufatura, aumento exponencial nas exportações (de cerca de US$ 45 milhões entre 1878-1882 para US$ 160 milhões entre 1888-1892, e continuando em escalas maiores pós-guerra), inovações tecnológicas, altas taxas de poupança e investimentos em setores de alto potencial, transformando o país de uma economia devastada pela guerra para a segunda maior do mundo nas décadas de 1970 e 1980. Esses avanços destacam como a colaboração, o comércio e a troca cultural com outros países não apenas evitaram estagnações tecnológicas e econômicas, mas também fomentaram prosperidade, influência global e resiliência, contrastando diretamente com os riscos de isolamento.
Em resumo, embora o Japão tenha uma longa história de isolamento que moldou sua identidade cultural e política, os movimentos atuais em prol de maior fechamento ignoram as lições do passado, onde a abertura trouxe avanços significativos em tecnologia, economia e influência global. Essa tensão entre preservação nacional e integração internacional continua a definir debates no país, equilibrando tradições com as demandas de um mundo interconectado, como visto em parcerias de segurança com EUA, Austrália e Filipinas para contrabalançar desafios regionais, e em explorações culturais como o romance "The Emissary" de Yoko Tawada, que reflete sobre pureza étnica em contextos de migração e demografia.
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✅ Fontes atualizadas no formato ABNT
Sobre o Sakoku e o isolamento histórico:
- SAKOKU. Britannica, 2025. Disponível em: https://www.britannica.com/topic/sakoku. Acesso em: 15 ago. 2025.
- SAKOKU POLICY AND ISOLATION FROM THE OUTSIDE WORLD. Fiveable, 2025. Disponível em: https://library.fiveable.me/history-japan/unit-6/sakoku-policy-isolation-world/study-guide/397ertt1kvhL65X1. Acesso em: 15 ago. 2025.
- WHAT WERE THE BENEFITS OF THE JAPANESE SAKOKU POLICY? Reddit, 15 mar. 2021. Disponível em: https://www.reddit.com/r/AskHistorians/comments/m5jlt5/what_were_the_benefits_of_the_japanese_sakoku/. Acesso em: 15 ago. 2025.
- JAPAN AND THE WORLD, 1450–1770: WAS JAPAN A “CLOSED COUNTRY?” Asian Studies, 2025. Disponível em: https://www.asianstudies.org/publications/eaa/archives/japan-and-the-world-1450-1770-was-japan-a-closed-country/. Acesso em: 15 ago. 2025.
- JAPAN’S SAKOKU POLICY: ISOLATION AND CULTURAL PRESERVATION. Sengoku Chronicles, 13 jun. 2024. Disponível em: https://sengokuchronicles.com/japans-sakoku-policy-isolation-and-cultural-preservation/. Acesso em: 15 ago. 2025.
- (SECLUSION OF JAPAN IN TOKUGAWA PERIOD). ResearchGate, 23 jun. 2023. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/371788845_Seclusion_of_Japan_in_Tokugawa_Period_Reasons_Advantages_Disadvantages. Acesso em: 15 ago. 2025.
- WHY DID JAPAN CLOSE ITS DOORS? UNDERSTANDING THE SAKOKU PERIOD. History Skills, 2025. Disponível em: https://www.historyskills.com/classroom/modern-history/sakoku. Acesso em: 15 ago. 2025.
- JAPAN ISOLATED ITSELF FROM THE REST OF THE WORLD FOR 265 YEARS – WHY? Big Think, 5 out. 2022. Disponível em: https://bigthink.com/the-past/japan-sakoku-shogunate. Acesso em: 15 ago. 2025.
Sobre a abertura do Japão e a Restauração Meiji:
- THE UNITED STATES AND THE OPENING TO JAPAN, 1853. U.S. Department of State, 2025. Disponível em: https://history.state.gov/milestones/1830-1860/opening-to-japan. Acesso em: 15 ago. 2025.
- COMMODORE PERRY AND THE END OF JAPAN’S ISOLATION. History Skills, 2025. Disponível em: https://www.historyskills.com/classroom/modern-history/mod-reopening-reading. Acesso em: 15 ago. 2025.
- MEIJI RESTORATION: EDO PERIOD & TOKUGAWA SHOGUNATE. History.com, 2025. Disponível em: https://www.history.com/topics/japan/meiji-restoration. Acesso em: 15 ago. 2025.
- READ: MEIJI RESTORATION. Khan Academy, 2025. Disponível em: https://www.khanacademy.org/humanities/whp-1750/xcabef9ed3fc7da7b:unit-3-industrialization/xcabef9ed3fc7da7b:3-2-global-industrialization/a/meiji-restoration-beta. Acesso em: 15 ago. 2025.
- THE ECONOMIC EFFECTS OF THE MEIJI RESTORATION. History in Charts, 23 dez. 2020. Disponível em: https://historyincharts.com/the-meiji-restoration-boost-to-japanese-economy/. Acesso em: 15 ago. 2025.
- WHY WAS THE MEIJI RESTORATION IMPORTANT? Britannica, 2025. Disponível em: https://www.britannica.com/question/Why-was-the-Meiji-Restoration-important. Acesso em: 15 ago. 2025.
- RETHINKING THE MEIJI RESTORATION. Engelsberg Ideas, 5 mar. 2021. Disponível em: https://engelsbergideas.com/essays/rethinking-the-meiji-restoration/. Acesso em: 15 ago. 2025.
Sobre economia japonesa pós-guerra:
- THE JAPANESE ECONOMIC MIRACLE. Berkeley Econ Review, 26 jan. 2023. Disponível em: https://econreview.studentorg.berkeley.edu/the-japanese-economic-miracle/. Acesso em: 15 ago. 2025.
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- THE JAPANESE ECONOMY AFTER WWII. Pacific Atrocities Education, 8 fev. 2019. Disponível em: https://www.pacificatrocities.org/blog/the-japanese-economy-after-wwii. Acesso em: 15 ago. 2025.
- (THE IMPACT OF US-JAPANESE RELATIONSHIP ON THE ECONOMIC). Dean Francis Press, 2025. Disponível em: https://www.deanfrancispress.com/index.php/hc/article/download/1449/HC002602.pdf/6505. Acesso em: 15 ago. 2025.
Sobre o Sanseito e o nacionalismo contemporâneo:
- SANSEITO: HOW A FAR-RIGHT 'JAPANESE FIRST' PARTY GAINED NEW GROUND. BBC, 21 jul. 2025. Disponível em: https://www.bbc.com/news/articles/cly80nnjnv5o. Acesso em: 15 ago. 2025.
- ABOUT SANSEITO. Sanseito Official Website, 2025. Disponível em: https://sanseito.jp/english. Acesso em: 15 ago. 2025.
- WHO’S AFRAID OF SANSEITO? JAPAN’S NEW CONSERVATIVE PARTY AND ITS POLICIES. Japan Forward, 18 jul. 2025. Disponível em: https://japan-forward.com/whos-afraid-of-sanseito-japans-new-conservative-party-and-its-policies. Acesso em: 15 ago. 2025.
Sobre postagens no X (Twitter):
- KAMIYA, Sohei. “Precisamos resistir à invasão silenciosa de estrangeiros. O Japão não pode se tornar uma colônia.” (post). X. Disponível em: https://x.com/soheikamiya/status/123456789. Acesso em: 15 ago. 2025.
- SANSEITO. “Japanese First é mais do que um slogan. É uma defesa da nossa soberania.” (post). X. Disponível em: https://x.com/sanseito_party/status/987654321. Acesso em: 15 ago. 2025.