Um olhar diferente sobre o indivíduo. Algo que não pode ser dividido por dois
Introdução
A palavra "indivíduo" carrega em si uma riqueza etimológica e conceitual que invita a reflexões profundas sobre a natureza humana. Uma interpretação popular sugere que "indivíduo" pode ser decomposto em "in" (negação), "divi" (de divisão) e "duo" (dois ou par), implicando algo que não pode ser dividido por dois, ou seja, uma entidade única e indivisível por pares. Embora essa visão seja uma etimologia popular, ela ressoa com a origem latina da palavra e abre caminhos para discussões filosóficas sobre a singularidade do ser. Este texto explora essa perspectiva, contrastando-a com a etimologia histórica e suas implicações conceituais, destacando o indivíduo como unidade irreduzível.
Etimologia da Palavra "Indivíduo"
A origem da palavra "indivíduo" remonta ao latim individuus, que significa "indivisível" ou "aquilo que não pode ser dividido". Essa formação linguística é composta pelo prefixo in- (negação) e dividuus (divisível), derivado do verbo dividere (dividir). Assim, o termo enfatiza uma unidade que não suporta separação sem perder sua integridade essencial. No contexto histórico, supõe-se que Cícero (105-43 a.C.) tenha cunhado o termo ao traduzir o grego átomon (indivisível), definindo o indivíduo como algo "indivisum in se et divisum ab alio" – indiviso em si mesmo, mas separado dos outros.
Essa etimologia real difere da interpretação popular que associa "duo" à divisão por dois, mas compartilha a ideia central de indivisibilidade. Em termos biológicos, o indivíduo refere-se a um ser cuja existência depende de sua integridade, aplicável não só ao humano, mas a animais e plantas. Filosoficamente, o conceito evoluiu para distinguir o particular do universal, onde o indivíduo é concreto e singular, resultado de peculiaridades únicas que não se repetem.
Implicações Filosóficas da Indivisibilidade
Na filosofia, o indivíduo como entidade indivisível transcende a mera etimologia, tornando-se base para reflexões sobre identidade e existência. Aristóteles (384-322 a.C.) via o indivíduo como um sínolo (todo completo), numericamente uno, individuado pela matéria que confere aspectos contingentes como altura e cor. Santo Tomás de Aquino (1225-1274) avançou essa ideia, afirmando que o princípio de individuação nos corpos é a "matéria signata" (matéria designada), e definindo a pessoa como o mais perfeito na natureza, uma substância individual racional.
No existencialismo, Søren Kierkegaard (1813-1855) recupera o indivíduo como ponto inicial da filosofia, opondo-o à massificação da sociedade moderna. Para ele, o indivíduo é único e indivisível, um "átomo" que resiste a sistemas abstratos e instituições que diluem a singularidade, inspirado em Sócrates e na figura de Cristo, que dialoga com o indivíduo em vez da multidão. Essa visão ecoa a interpretação popular: em um mundo de dualidades (bem/mal, eu/outro), o indivíduo não se divide por dois, mantendo sua unicidade irreduzível.
Conclusão
A interpretação de "indivíduo" como algo que não pode ser dividido por dois, embora etimologicamente imprecisa, captura poeticamente a essência de uma unidade singular. Contrastando com sua origem latina em individuus, o conceito revela camadas filosóficas que enfatizam a indivisibilidade como fundamento da identidade humana. Em uma era de polarizações, essa visão convida a valorizar o indivíduo como entidade autônoma, indivisa e única.
Referências
ETIMOLOGIA. Indivíduo. Etimologia, [s.d.]. Disponível em: https://etimologia.com.br/individuo/. Acesso em: 31 ago. 2025.
PRIBERAM. Indivíduo. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, [s.d.]. Disponível em: https://dicionario.priberam.org/indivíduo. Acesso em: 31 ago. 2025.
REZENDE, Joffre Marcondes de. Pessoa, indivíduo, sujeito. Revista de Patologia Tropical, v. 39, n. 1, p. 1-4, 2010. Disponível em: https://revistas.ufg.br/iptsp/article/view/9501. Acesso em: 31 ago. 2025.
ULLMANN, Reinholdo Aloysio. Indivíduo. Teocomunicação, v. 39, n. 2, p. 205-213, 2009. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/teo/article/view/6834. Acesso em: 31 ago. 2025.
PAULA, Marcio Gimenes de. O indivíduo como ponto inicial na filosofia kierkegaardiana. IHU On-Line, 2009. Disponível em: https://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/2919-marcio-gimenes-de-paula-2. Acesso em: 31 ago. 2025.